“Terras Raras”: um tesouro tecnológico  à espera de investidores no País

“Terras Raras”: um tesouro tecnológico à espera de investidores no País

Grandes reservas e potencial de desenvolvimento podem fazer do Brasil um dos maiores produtores de minérios de "terras raras", atraindo investimentos em produção e seguros.

Por: Cláudio Henrique

Smartphones, tablets, televisores e fibras ópticas são alguns exemplos de equipamentos tecnológicos cuja demanda cresce exponencialmente. E eles têm em comum o fato de serem fabricados com a utilização dos chamados minérios de “terras raras” — um grupo de 17 elementos químicos da Tabela Periódica, compostos por: 15 lantanoides (do lantânio [La] ao lutécio [Lu]); o escândio (Sc) e o ítrio (Y), todos com propriedades físicas únicas, como alta resistência a temperaturas elevadas e propriedades magnéticas e elétricas específicas, como a capacidade de emitir luz (luminescência).

 

O Brasil está entre os cinco países com maiores reservas de “terras raras” no mundo, mas a maior parte ainda não é explorada em escala industrial — uma oportunidade singular de desenvolvimento, que vem ganhando especial atenção de investidores e, por conseguinte, também do setor de seguro.

 

A realização da COP30 no País em novembro pode ajudar a escrever novos capítulos da exploração e pesquisa dos minérios integrantes de “terras raras”. Afinal, “a descarbonização da economia global, necessária para o enfrentamento da crise climática, está diretamente atrelada à ampliação do uso de novas tecnologias — turbinas eólicas, painéis solares, baterias, veículos elétricos, redes mais inteligentes, entre outras — e todas essas tecnologias dependem intensamente de minerais críticos. Um veículo elétrico, por exemplo, pode demandar até seis vezes mais minerais do que um carro convencional, e uma turbina eólica requer mais minerais que uma usina a gás natural”, detalha o green paper “Os minerais críticos e estratégicos na COP30”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), organização nacional que representa empresas e instituições que atuam no setor mineral.

 

O diretor-presidente do Ibram, Raul Jungmann, afirma que “a transição energética global exige mais do que decisões políticas ambiciosas e metas climáticas bem formuladas — ela demanda uma base material sólida e complexa.

 

Essa base é composta, entre outros, por minerais críticos e estratégicos (MCE), fundamentais para tecnologias de baixo carbono. No contexto da COP30, o Brasil terá a oportunidade de exercer um papel central na definição de uma política global sobre esses recursos”.

 

O documento do Ibram inicia uma discussão pública sobre um “modelo brasileiro” de gestão de minerais críticos e estratégicos (MCE), como lítio, cobalto, “terras raras”, entre outros, alinhando soberania nacional, justiça climática e desenvolvimento sustentável.

 

A demanda global por “terras raras” cresce em alta velocidade. Em 2020 foram extraídas 240 mil toneladas; e, em 2024, a extração chegou a cerca de 390 mil toneladas, segundo dados do serviço geológico dos Estados Unidos. A estimativa da Agência Internacional de Energia é que a demanda por “terras raras” aumente cerca de sete vezes até 2040. O mercado foi estimado em cerca de US$ 5,6 bilhões em 2023, e há expectativa de crescimento para mais de US$ 15 bilhões até 2030.

 

A exploração crescente de minas de “terras raras” abre novas oportunidades para seguros de grandes riscos, que podem vir a gerar aumento de receita das seguradoras, principalmente pelos altos valores de investimentos envolvidos na operação e pela cotação emergente desses minerais. Por conta das tensões geopolíticas e do ganho de escala da corrida por minérios raros, o mercado pode demandar plena proteção do seguro, evitando perdas e descontinuidade.

 

O Brasil tem, segundo a U.S. Mineral Commodity Summaries, 35% do seu território com potencial mineral. O problema é que o País ainda produz apenas 1% da oferta mundial, mas estima-se que possa produzir até 10% da demanda global nos próximos anos.

 

EXPLORAÇÃO & GARGALOS

 

Estudos do Serviço Geológico do Brasil (SGB), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), indicam que o Brasil detém a terceira maior reserva dos elementos “terras raras”, com um total de 21 milhões de toneladas. Ela está dividida entre os estados de Minas Gerais, Amazonas, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Roraima. Mais de R$ 5 milhões já foram investidos em programas para exploração das substâncias, além de mapeamento geológico de recursos minerais e promoção de pesquisa, lavra e beneficiamento desses elementos.

“Os investimentos em exploração e separação de minérios de ‘terras raras’ no Brasil ainda é pequeno, se comparados aos da China e dos Estados Unidos. Mas são cada vez maiores as iniciativas do governo brasileiro e o desenvolvimento de tecnologias nacionais para a separação adequada desses elementos”, diz o pesquisador Ysrael Massero Vera, químico e doutor em Extração Mineral do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem).

 

Vera aponta como um dos gargalos para o crescimento do setor no País o fato de as empresas que atuam nessas áreas ainda não confiarem na tecnologia nacional. “Existem muitos centros de pesquisa no Brasil que já podem oferecer tecnologia. No Cetem, por exemplo, há dez anos trabalhamos no desenvolvimento dessas técnicas. Mas as empresas, a grande maioria estrangeiras, ainda optam por levar o minério para separação em outros países”, pondera.

 

Os minérios de “terras raras” também são utilizados e extremamente importantes na produção de ímãs permanentes para carros elétricos, turbinas eólicas, fibras ópticas, baterias recarregáveis, equipamentos médicos, células fotovoltaicas (que convertem energia solar em eletricidade) e sistemas de defesa militar. Uma preocupação é o fato de a mineração e o refino dessas substâncias poderem causar impactos ambientais sérios, se não forem bem controlados.

 

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

A extração e o processamento de “terras raras” podem causar contaminação química e radioativa. É crucial, portanto, que sejam feitos de forma sustentável e com regulamentação adequada, minimizando assim os impactos ambientais. As “terras raras”, porém, são vitais para a transição energética global, pois permitem o desenvolvimento de tecnologias mais limpas e eficientes — o que aumenta a demanda por esses minerais e sua importância estratégica no cenário mundial.

 

Apesar do nome, esses elementos não são raros no planeta: existem em abundância, mas há barreiras impostas pelas dificuldades de se extrair e separar cada minério na natureza. No mercado internacional, a China controla mais de 60% da oferta desses minérios, o que gera extrema sensibilidade a fatores políticos e comerciais. A participação chinesa salta para 90% quando se trata de “terras raras” processadas e da produção de ímãs. No início do ano, de olho neste mercado, o governo dos Estados Unidos (leia-se Donald Trump) assinou um acordo de cooperação para a exploração desses elementos com a Ucrânia.

 

Minérios de “terras raras” são encontrados em areias monazíticas, em jazidas próximas a vulcões extintos e em outros tipos de rochas. No Brasil, a falta de estruturas regulatórias claras também dificulta investimentos e o desenvolvimento da atividade. O licenciamento de projetos de mineração no Brasil pode levar até 16 anos.

 

O Serviço Geológico do Brasil tem realizado projetos para avançar no conhecimento sobre “terras raras” no território nacional. Em 2024, houve o lançamento de fundo de R$ 1 bilhão, com recursos do BNDES e da Vale, para financiamento de projetos de pesquisa mineral.

 

Em janeiro último, foi lançada a “chamada pública de planos de negócios para investimentos em transformação de minerais estratégicos”, com recursos de R$ 5 bilhões, pelo BNDES e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Foi grande a inscrição de novos projetos na área — mais um indicador de como é inexorável e premente seu crescimento.

 


Governo lançou novo guia para investidores

Em março, o Ministério das Minas e Energia (MME) publicou uma segunda edição, renovada, do ‘Guia para o investidor estrangeiro em minerais críticos’ para a transição energética no Brasil. Disponível em inglês e português, no site do MME, o guia é uma ferramenta importante para atrair capital estrangeiro e garantir maior segurança jurídica aos investidores nesse mercado.

 

O texto dá informações detalhadas sobre os processos de obtenção de direitos minerários, licenciamento ambiental e os novos instrumentos públicos de financiamento lançados em 2024. Com essas atualizações, o governo quer oferecer maior previsibilidade e transparência para o desenvolvimento sustentável do setor, reafirmando o compromisso do País com uma mineração sustentável e inovadora, alinhada à transição energética global.

 

“O Brasil é rico em minerais essenciais para a transição energética global. Esse guia é uma ponte para atração de investimentos e parcerias, ampliando nossa capacidade de aproveitar essa janela de oportunidades”, disse, na ocasião do lançamento, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. “Temos investido bastante no desenvolvimento de mão de obra qualificada para alavancar ainda mais o setor mineral brasileiro. Queremos uma mineração cada vez mais segura e responsável, com metas claras e transparentes”, completou.

 

Já o secretário Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME, Vitor Saback, destacou que o guia do investidor estrangeiro é um instrumento estratégico para que o investimento externo contribua para a geração de empregos, renda e desenvolvimento tecnológico do Brasil.

 

“Somos um dos melhores países do mundo para investimentos no setor mineral. Ocupamos uma posição de destaque no cenário global de minerais estratégicos para uma economia global de baixo carbono. Estamos determinados a consolidar uma mineração segura, transparente e sustentável, garantindo desenvolvimento econômico e bem-estar social”, afirmou.

 


Brasil começa fabricação de imãs de alta performance

O Brasil iniciou, em maio, a fabricação dos chamados ímãs de “terras raras” — amplamente dominada pela China, que fornece mais de 90% desses produtos ao mercado global. Com investimento de R$ 35 milhões, o projeto dos ímãs brasileiros tem sua operação na cidade de Lagoa Santa, em Minas Gerais, e foi inaugurado em 23 de maio último.

 

Os imãs serão produzidos no Laboratório de Produção de Ímãs de Terras Raras da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), que foi comprado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Inclui parcerias com 16 empresas, desde mineradoras produtoras de “terras raras” até companhias consumidoras.

 

A capacidade do laboratório de Lagoa Santa é de cem toneladas de ímãs por ano. Até dezembro, a expectativa inicial é que sejam produzidas cinco toneladas de imãs. Na fabricação do componente são utilizados três dos 17 minerais de “terras raras”: Neodímio, Praseodímio e Disprósio.

 

Outro projeto brasileiro de destaque no emergente mercado dos minerais de “terras raras” é o Caldeira, de extração desses minérios em Caldas, também em Minas Gerais. A empresa Meteoric, à frente da operação, vem demonstrando grande preocupação ambiental. A ação sustentável da empresa inclui a implementação de tecnologias avançadas que reduzem a emissão de poluentes e o consumo de água, além de garantir que os resíduos gerados pela mina sejam geridos de maneira adequada.

 

A extração de argila iônica, por exemplo, é feita por meio de escavadeiras em áreas a céu aberto, sem uso de explosivos. O material recolhido será transportado por caminhões basculantes até a planta de beneficiamento para a lavagem e separação das “terras raras”. As áreas trabalhadas também serão restauradas após a exploração, promovendo a recuperação da biodiversidade local.

 

A captação de água para o trabalho será feita em reservatório artificial no local. Destaque-se ainda que cerca de 75% da água utilizada no processo de separação de “terras raras” será reutilizada. Os 25% restantes estarão presentes na argila lavada que será devolvida à natureza.

 

O reúso do recurso hídrico se dará em uma Estação de Tratamento das Águas de Processo, que fará a purificação da água. O Caldeira terá ainda sua própria Estação de Tratamento de Esgoto, evitando contaminação do ambiente com dejetos, e energia elétrica 100% produzida por fontes renováveis.